Fonte: Folha de São Paulo
Com o aumento do desemprego e da dificuldade financeira das empresas, escritórios de advocacia e sindicatos notam incremento de até 30% no número de ações trabalhistas ajuizadas ou nas consultas sobre processos.
A tendência é que cresça mais à medida que a retração econômica se agrave e as demissões, antes concentradas no setor industrial, se espalhem por outras atividades.
O impacto das ações tem sido mais sentido por indústrias que estão sofrendo a crise com maior intensidade. Caso da construção civil, do setor automobilístico e do de óleo e gás. Mas segmentos da área de prestação de serviços, como o de bares e restaurantes, também já identificam maior número de demitidos ingressando no Judiciário.
Antonio Carlos Frugis, sócio do Demarest Advogados, afirma que setores como o automobilístico sofrem mais e que um cliente recebeu mais de cem ações em um único mês.
Frugis diz que algumas companhias já fizeram provisões para o custo, mas o movimento ainda não é generalizado.
“Alguns provisionam imediatamente. Outros, só depois, se forem condenados”, diz o advogado.
No Tribunal Regional do Trabalho da 2ª região (Grande São Paulo e Baixada Santista), um dos maiores do país, foram 386.038 novos processos de janeiro a outubro -aumento de 6,6% ante o acumulado dos mesmos meses do ano passado. Entre 2014 e 2013, também houve alta, mas em menor proporção (3,4%).
Na Justiça do Trabalho de Campinas (SP), que atende o interior paulista, a variação no número de processos chega a 10%, dependendo da cidade, segundo informam juízes da região.
Empresas do setor de álcool e serviços procuraram o escritório Bertolucci & Ramos Gonçalves Advogados, após a demissão de empregados, principalmente a partir do segundo semestre, para buscar orientação sobre os litígios.
“A cada 100 demitidos no ano passado, 30 recorriam à Justiça. Neste ano, são ao menos 60 ingressando com ação”, diz João Bertolucci, sócio do escritório. “Clientes que recebiam uma ação por ano passaram a receber neste ano, em média, cinco a seis.”
‘VANTAGEM FINANCEIRA’
A tendência de aumento do volume de reclamações trabalhistas é maior em tempos de crise econômica não só porque o nível de demissões é maior mas também porque o trabalhador demitido encontra mais dificuldade para se recolocar no mercado, avalia Domingos Fortunato, sócio do escritório Mattos Filho.
“A Justiça do Trabalho é vista como um último recurso para obter uma vantagem financeira.” As reclamações trabalhistas já cresceram 30% entre os clientes do escritório, diz Fortunato.
Prova do maior número de pedidos de ações é que audiências estão sendo marcadas em Porto Alegre, Recife, Vitória e São Paulo para setembro de 2016 ou início de 2017, diz a Silvia Burmeister, presidente da Abrat (associação dos advogados trabalhistas).
“A primeira audiência ocorre hoje e a segunda, aquela em que o juiz ouve as partes e tenta fechar um acordo e dar sentença, está sendo marcada para prazos de nove a 12 meses, dependendo da região do país. Normalmente esse prazo antes do incremento das ações era de seis meses”, diz a advogada.
O ajuizamento de ações deve se intensificar a partir de março do próximo ano, período em que vencem acordos feitos pelas empresas para manter empregos em troca de reduzir salários e jornada, dentro do PPE (Programa de Proteção ao Emprego) ou de suspensão temporária do contrato de trabalho (“lay-off”).
PELO WHATSAPP
No interior paulista, a juíza Ana Cláudia Torres Vianna, diretora do Fórum Trabalhista de Campinas e responsável pelo Centro Integrado de Conciliação de 1º Grau, diz que audiências também já são marcadas para 2017.
As ações são ajuizadas por principalmente trabalhadores dispensados do setor automotivo e por trabalhadores terceirizados da Replan (Refinaria de Paulínia).
A juíza Ana Cláudia ficou conhecida após adotar aplicativos de bate-papo, entre eles o WhatsApp, para que trabalhadores e empresas entrassem em acordos de conciliação.
A negociação entre as partes ocorre no serviço de mensagens -o grupo criado para isso leva o número do processo no nome. Participam os advogados, um servidor público no papel de mediador e o juiz. O conteúdo das conversas fica registrado no Fórum, se as partes quiserem.
Quando há acordo, os passos seguidos são os mesmos de um processo resolvido em uma audiência física: peticionar eletronicamente o processo ou regular a homologação em pessoa.
“O objetivo é estimular as pessoas a encontrarem uma saída, na mediação, por que a Justiça não dá conta mais”, diz ela.
‘DEVO, NÃO NEGO’
Sob a condição de anonimato, empresas de menor porte que atuam na construção civil -são fornecedoras de materiais metálicos para residências em Brasília- relataram que são alvo de ações porque não conseguiram pagar FGTS, contribuições previdenciárias e outros direitos.
“Devo ao menos R$ 400 mil de Fundo, R$ 1,5 milhão de ICMS, fora outros tributos. Não há dinheiro no caixa. As ações estão chegando e aumentando. Infelizmente, com certeza, virão mais processos porque terei de demitir, em janeiro, mais 30”, diz um desses empresários.
A queda nas vendas de 40% a 50% neste ano fez a empresa cortar 30 dos 104 funcionários que empregava no final de 2014. “Vou ficar com 40 e rezar para parar por aqui.”
Outra empresa do mesmo ramo relatou que atrasa salários há três meses a cerca de 70 empregados. “Tento priorizar o salário e pagamento de fornecedores. Mas estamos sentindo os efeitos da contenção de gastos dos clientes. Ninguém compra”, afirma. O faturamento antes de R$ 900 mil passou para cerca de R$ 350 mil.
ÚNICA SAÍDA
Em São Paulo, o sindicato dos trabalhadores da construção civil contratou 12 escritórios de advocacia para prestar serviço e atendimento aos demitidos que buscam ingressar com ações para receber seus direitos.
“Empreiteiras e construtoras que fizeram acordo para pagar as rescisões em até três parcelas estão pagando uma ou duas parcelas e não cumprem o trato. A saída é a Justiça”, diz Antonio de Sousa Ramalho, presidente do sindicato.
O departamento jurídico do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo também notou acréscimo entre 25% e 30% nos processos trabalhistas. A maior parte de metalúrgicas que fizeram demissão em massa e não conseguem pagar os dispensados. Segundo o sindicato, há indústrias também recorrendo à Justiça para conseguir ampliar o pagamento de verbas rescisórias em até dez vezes.
“As ameaças de processos são muitas”, diz Lemos, que há quatro meses entrou de sócio em um call center, mas escolheu Minas Gerais, onde os índices de reclamações trabalhistas são mais baixos. “A mão de obra foi um critério forte.”