Lei que cria programa de manutenção do emprego altera a CLT mais do que se imagina

A Medida Provisória (MP), que permite a suspensão do contrato de trabalho por até 60 dias e a redução de salários/jornada de trabalho pelo período de até 90 dias, durante o estado calamidade pública devido à pandemia do coronavírus, foi convertida em lei e sancionada pelo presidente da República (Lei 14.020/20).

Pelo texto aprovado, há a permissão para que os prazos da suspensão e redução sejam prorrogados por um decreto presidencial enquanto durar o estado de calamidade pública.

Em tais situações, conforme a modalidade, a União pagará um benefício emergencial ao trabalhador, para repor parte da redução salarial e, ao mesmo tempo, reduzir as despesas das empresas em um período em que elas estão com atividades suspensas ou reduzidas.

No entanto, a “surpresa” veio por ocasião da negativa de vigência do art. 486 da CLT. O art. 29 da nova lei afirma que “não se aplica o disposto no art. 486 da CLT na hipótese de paralisação ou suspensão de atividades empresariais determinada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal para o enfrentamento do estado de calamidade pública e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus”.

Apenas para entender o contexto da surpresa, em maio deste ano houve a dispensa de 436 funcionários pelo restaurante Fogo de Chão. O restaurante, que estava com suas operações paralisadas em virtude do fechamento decretado pelos governos fluminense e carioca, demitiu seus colaboradores com lastro no art. 486 da CLT. Este dispositivo da lei trabalhista, permite a transferência dos encargos das verbas rescisórias dos funcionários da empresa ao governo responsável pela paralisação temporária ou definitiva do trabalho. Trocando em miúdos: o Fogo de Chão dispensou seus empregados e, usando do dispositivo legal acima, transferiu a conta das dispensas ao governo.

Poucos dias depois, ainda em maio, durante os debates sobre a Medida Provisória, a Câmara dos Deputados, percebendo que o uso dessa prerrogativa legal poderia “viralizar” e causar grandes problemas para governos de um modo geral, alterou o texto da MP. Assim, excluiu os atos de governos para enfrentamento da pandemiacomo situação que configure “ato de estado”, que autorizaria transferir os ônus das demissões aos governos que decretaram paralização das atividades das empresas durante a crise sanitária. A mudança veio para frear o ímpeto de algumas empregadoras prejudicadas pela ação de governos para combate da pandemia que, como no caso do Fogo de Chão, tentavam mandar a “conta” para o estado.

Sem alarde, a lei alterou a CLT sem que houvesse um melhor debate com a sociedade sobre tal circunstância, limitando um importante dispositivo garantidor da livre iniciativa.

Dra. Adriana A. Giori de Barros

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