Mantida rescisão indireta de empregada que era submetida ao uso de banheiro de deficientes por sua orientação sexual
Uma empregada entrou com uma reclamação postulando a rescisão indireta do contrato de trabalho por ser vítima de humilhações decorrentes da sua orientação sexual. De acordo com ela, a partir do processo de mudança de sexo em um hospital na capital paulista, passou a ser discriminada na empresa onde trabalhava, a multinacional francesa Teleperformance, uma das maiores empresas de call center do mundo.
Na defesa, a Teleperformance sustentou que a empregada foi demitida por justa causa em decorrência de abandono de emprego, ante as ausências injustificadas por período superior a 30 dias.
No entanto, a sentença (decisão de 1º grau) esclareceu que as faltas a partir do dia em que a trabalhadora se afastou em definitivo para postular a rescisão indireta não podem ser levadas em conta para caracterizar o abandono de emprego. De acordo com o julgamento, a empresa não convocou a empregada para retornar ao trabalho.
Além disso, conforme prevê a legislação trabalhista, o empregado pode se afastar “de seu labor para pleitear nesta Justiça Especializada os seus direitos rescisórios”.
Segundo a testemunha da empregada, superiores hierárquicos “costumavam chamar a autora na mesa para fazer piadinhas, indagando se a autora era homem ou mulher”. Ainda, de acordo com relatos, a supervisora determinou que a empregada fizesse uso do banheiro de deficientes. “Não deixavam que ela utilizasse o banheiro dos homens ou das mulheres”. Consta ainda nos autos que o sanitário que deveria ser utilizado pela empregada “não possuía chave, ficando o acesso livre”. Por isso, a empregada solicitava a colegas que a acompanhassem “ao banheiro para garantir que ninguém adentrasse”.
Para a 10ª Turma do TRT da 2ª Região, o ato faltoso alegado pela Teleperformance não ficou comprovado. Os magistrados apontaram que a empresa não tomou nenhuma providência, como a “emissão de telegramas ou outro meio de comunicação capaz de demonstrar que o empregado não respondeu aos chamados da empresa para reassumir suas funções”. Os magistrados esclareceram que, se o contato tivesse efetivamente sido feito pela empresa e o trabalhador tivesse deixado de atender à solicitação, não retornando ao trabalho, ou sequer justificando o motivo das reiteradas ausências, ficaria evidenciado o desinteresse do empregado na manutenção do posto de trabalho.
A decisão considera ainda que a demanda denunciando a falta grave patronal e pretendendo a rescisão indireta do contrato de trabalho foi distribuída sete dias após o último dia trabalhado. Segundo o acórdão, “esse fato confirma que o autor não pretendeu abandonar o emprego, mas reivindicar os direitos entendidos por devidos, tendo em vista as alegações que embasaram a justa causa patronal”.
Assim o acórdão, de relatoria da desembargadora Sônia Gindro, confirmou a decisão proferida em 1º grau e concluiu que “restou cabalmente comprovado que a autora era vítima de humilhações claramente decorrentes da sua opção sexual, o que enseja a rescisão indireta do contrato de trabalho”. Na decisão foi ressaltado ainda que “a falta empresária se protraiu no tempo, pois as humilhações só cessaram com a rescisão do pacto contratual. Portanto, não se esvaiu o requisito da imediatidade. Em decorrência, reconheço a existência de falta grave do empregador a autorizar a rescisão do contrato de trabalho”.
Ainda cabe recurso da decisão.
(Processo nº 00033651520135020038)
Texto: Silvana Costa Moreira – Secom/TRT-2
Veiculo: DCI
Esse foi o clima. Apaixonado. Uma final de campeonato de futebol. Antes da partida, toda sorte de palpites: 2 x 1, 3×0, 1 x 2. Como as torcidas estavam inflamadas, prepararam um grande aparato para contê-las. Milhares de policiais, zonas de restrição e até atiradores de elite.
Uma cidade inteira muda sua rotina por conta do jogo. Narração ao vivo pelo rádio. Mas não era um jogo, ou não era para ser um jogo.
Como cidadão até entendo essa polarização. Todavia, como alguém que escolheu o Direito como vida, não posso aceitá-la. Não conheço viva alma que tivesse dúvida sobre a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Entrou (e saiu) condenado no Tribunal Regional Federal da quarta Região (TRF-4).
O tribunal parece não se importar muito com a regra do jogo, especialmente, nas situações que envolvem a Operação “Lava-Jato”. Não se preocuparam nem em perceber o enviesamento latente e patente da sentença recorrida, proferida por um juiz que, em momento algum, mostrou-se magistrado, imparcial.
Moro atuou mais na condenação do ex-presidente da República que o Ministério Público. Basta ler a sentença. Esse fato, apenas esse fato, já seria suficiente para que o TRF-4, composto por um colegiado de pessoas, justamente para isso, fizesse o controle e a revisão dos atos do juiz de primeiro grau. Este, sozinho, pode ser seduzido por muitas coisas. Para isso, o colegiado. O tribunal, instado a controlar o ato solitário, deveria, numa reflexão feita não por um e sim por um grupo, restaurar a legalidade.
Mas não foi isso que aconteceu. O tribunal regional e seu colegiado não fizeram o que era esperado. Em verdade, num ritual de sacrifício humano, a sessão de julgamento nada mais era que um espetáculo midiático, um verdadeiro circo. Tudo já pronto, o réu continuaria condenado. Era o desejo da opinião pública. Lembro que o presidente da Turma, ao chamar o intervalo, faz expressa menção à leitura dos votos. Então, para que perder tempo ouvindo os argumentos da defesa? Circo, puro circo midiático. Só quem lucrou com isso foram as rádios e televisões. Perdeu o Direito.
Dentro desse contexto, de espetáculo, o tribunal optou curvar-se ao clamor da plebe que, tal qual numa arena romana, baixa o polegar, pedindo a morte do combatente. Não nutro simpatia por Lula. Não creio na sua inocência. Porém, não posso concordar que não tenha um julgamento justo, dentro dos parâmetros legais do processo. Não posso admitir que seus direitos mais elementares sejam aviltados.
Hoje foi ele, amanhã eu e depois de amanhã, você! A certeza de um julgamento justo é das mais importantes certezas que um estado democrático de direito deve poder assegurar.
Permitir que a aplicação da lei varie conforme a vontade do julgador e a cara do réu, é dar uma forte amostra de retrocesso institucional, de que somos sim uma ainda claudicante democracia, que nossas tão propaladas “instituições” não funcionam de verdade.
Ainda que a Bolsa estoure e o dólar baixe, devemos estar certos que a lei alcança e submete a todos, inclusive os julgadores. Quando isso não ocorre, com tranquilidade e naturalidade, fica evidenciada nossa fragilidade.
Lula não perdeu e nem teve sua pena majorada. Perdemos nós e tivemos nossa pena aumentada: continuamos condenados a sermos uma democracia rastejante.
Marcus Vinicius Ramos Gonçalves é sócio da Bertolucci e Ramos Gonçalves Advogados