A juíza Shirley Aparecida de Souza Lobo Escobar, da 37ª Vara do Trabalho de São Paulo, julgou improcedente a ação civil pública que pedia o reconhecimento de vínculo empregatício entre o iFood e os entregadores que usam a plataforma, não reconhecendo o vínculo empregatício entre entregadores e o iFood. (veja a íntegra da decisão)
A discussão sobre do vínculo empregatício entre os usuários e essas plataformas é dos mais relevantes atualmente, dado que milhares de pessoas encontraram nelas a única forma de sobreviver numa economia em crise. No caso, a juíza da 37ª Vara do Trabalho de São Paulo julgou que os requisitos para caracterização de vínculo empregatício entre o iFood e os entregadores da plataforma eram inexistentes. Nesse sentido, afirmou que “as peculiaridades da forma de organização do trabalho que, de fato, é inovadora e somente possível por intermédio da tecnologia” e entendeu que os entregadores possuíam o “meio de produção”. Isto, por si, já inviabilizaria o vínculo entre empregado e empregador no entendimento da juíza. Na mesma dinâmica, destacou que “restou demonstrado que o trabalhador se coloca à disposição para trabalhar no dia que escolher trabalhar, iniciando e terminando a jornada no momento que decidir, escolhendo a entrega que quer fazer e escolhendo para qual aplicativo vai fazer, uma vez que pode se colocar à disposição, ao mesmo tempo, para quantos aplicativos desejar”.
Para a sócia da BRG Advogados Adriana Barros, responsável pela área de Direito do Trabalho, a sentença foi “coerente com as novas modalidades de trabalho que imperam na economia atual e pode representar uma salutar mudança na Justiça do Trabalho”.
No entanto, Justiça do Trabalho de São Paulo apresenta jurisprudência distinta e contrastante sobre o assunto. Em dezembro de 2019, a juíza Lávia Lacerda Menendez, da 8ª Vara do Trabalho de São Paulo, julgou que existia, sim, vínculo empregatício entre os entregadores da Loggi e a empresa. A decisão de dezembro foi provocada por ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho e, além de determinar o reconhecimento de vínculo, também multou a empresa em R$ 30 milhões. No entendimento da juíza, ao contratar entregadores autônomos, a companhia “tirou direitos sociais mínimos” dos trabalhadores. A decisão foi suspensa no último dia 20 de dezembro pelo desembargador Sergio Pinto Martins, plantonista do Tribunal Regional do Trabalho (TRT-2).
A questão em torno do tema é tão global quanto a economia dos aplicativos. Em janeiro deste ano entrou em vigor uma lei na California que torna ilegal a economia informal (gig economy –ou economia do bico) no estado. A lei foi pensada, inicialmente, para regularizar a situação dos motoristas de aplicativo (Uber, Lyft, etc.). Contudo, acabou abarcando atividades de trabalhadores que atuam historicamente como freelancers, como jornalistas, escritores, fotógrafos, consultores, advogados, artistas e dançarinos. Tanto lá como aqui, o debate jurídico imposto pela economia dos aplicativos parece longe de acabar.
Para ilustrar, com o crescimento tímido da economia e o alto índice de desemprego, empresas como o iFood, Rappi, Uber e 99 se tornaram a principal fonte de renda de milhares de trabalhadores. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE divulgada em dezembro do ano passado, o número de brasileiros que trabalha em veículos como os entregadores, motoristas de aplicativo, taxistas e motoristas e trocadores de ônibus, aumentou 29,2% em 2018 e chegou a 3,6 milhões.
Como afirmou a juíza ao citar o filósofo Heráclito — “Nada é permanente, exceto a mudança”.
FONTE : TRT2