Existe uma música da Xuxa (sim, a “rainha dos baixinhos”) chamada “Circo”, algo assim:
A gente gosta de brincar de circo
Dar cambalhotas, fazer palhaçada
A gente adora imitar os bichos
Como é bom brincar
A gente faz a mágica mais linda
Transforma a vida numa grande festa
A gente canta, dança, bate palma
E não quer parar
Vem a foca com a bola no nariz
O elefante bancando o chafariz
Vem a macacada toda de uma vez
Tira, bota, a gente pede bis
O palhaço me deixa tão feliz
…
Creio que é isso mesmo. A gente gosta de brincar de circo…
Fiquei estarrecido com a notícia sobre a prisão de cinco pessoas, três funcionários da Vale e dois da empresa alemã que fez os laudos da malfadada barragem.
Não porquê não considere criminosas todas as ações (e omissões) que levaram à tragédia. Tragédia não acidental, daquelas que todos sabem previamente das consequências (sempre elas…) mas que insistem em manter as condutas arriscadas num ímpeto meio que homicida/suicida. No caso, uma roleta russa em que a Vale não tem tido sorte…
No entanto, todo esse excesso de confiança da companhia tem uma razão. A certeza da impunidade. E a impunidade não é culpa do criminoso, mas do estado moroso, leniente e “compadre”.
Certamente, tivessem as autoridades fiscalizadoras cumprido seu mister legal, não aconteceria Mariana, não aconteceria Brumadinho.
Existe uma lei (sim, temos leis!!), de 2010, que estabelece a Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB).
A lei preleciona que são objetivos da Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), garantir a observância de padrões de segurança de barragens de maneira a reduzir a possibilidade de acidente e suas consequências; promover o monitoramento e o acompanhamento das ações de segurança empregadas pelos responsáveis por barragens; regulamentar as ações de segurança a serem adotadas nas fases de planejamento, projeto, construção, primeiro enchimento e primeiro vertimento, operação, desativação e de usos futuros de barragens em todo o território nacional.
Ideias nucleares da norma: reduzir riscos, regulamentar as ações de segurança e monitora-las.
Para tanto, mais uma vez, o estado deveria, nos termos legais, exigir do empreendedor o cumprimento das recomendações contidas nos relatórios de inspeção e revisão periódica de segurança. Ou seja, deveria fazer o seu papel, fiscalizar o cumprimento da lei.
Seguramente não o fez adequadamente. Contudo, depois de milhares de pessoas vitimadas, vidas ceifadas, famílias destroçadas; acham de prender cinco pessoas, sem que qualquer amparo legal.
Mais uma vez, é o estado atropelando a lei, buscando dar respostas fáceis ao povo, numa dinâmica meio que de “arena romana”. Vale tudo para dar uma resposta, ainda que a mesma juridicamente não valha nada.
O rol de situações que autorizam a prisão preventiva é bem enxuto, resumidamente, “a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria, bem como, em caso nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos”. Todavia, no caso, há que se ter o mínimo indicio da autoria.
Para o caso da prisão temporária, há lei também que estabelece sua moldura: quando imprescindível para as investigações do inquérito policial; quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade; quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado em crimes descritos na lei (que tem, dentre as condutas previstas, o homicídio doloso, por exemplo).
A alegação de que assinaram laudos e atestados meses atrás, não importa em impingir-lhes responsabilidade já, porque ainda não se têm a certeza de que os eventos que culminaram com o estouro da barragem agora tenham se originado antes ou depois da confecção do laudo.
Mais ainda, a imputação de ilícito criminal exige a apuração de responsabilidade pessoal e subjetiva do agente, sendo imprescindível a relação de causalidade entre sua conduta e o evento típico.
Se quisermos, de verdade, punir os agentes dessa catástrofe, temos que exigir a fiel e rigorosa aplicação do texto legal, sob pena de termos processos que se arrastarão por décadas nos corredores dos tribunais, maculados por vícios processuais infantis.
Contudo, o que parece, é que não importa a lei.
O importante é que a gente gosta de brincar de circo…
O governo federal dá cambalhotas e o estadual faz mágicas. Transformam tudo numa grande festa.
Tem também o MP, com a bola no nariz e o Judiciário, imitando chafariz…
E os palhaços, como sempre, são a sociedade; que não bate palmas e não pede bis.
Marcus Vinicius Ramos Gonçalves
Sócio da Bertolucci e Ramos Gonçalves Advogados. Prof. de Compliance – Convidado da Pós-Graduação da FGV-RJ. Presidente do ILADEM (Inst. Latino-Americano de Defesa e Desenvolvimento Empresarial).