Veículo: Folha de São Paulo
O decreto que estabelece estado de calamidade pública no Rio, publicado no Diário Oficial nesta sexta-feira (17), apresenta argumentos incomuns para decisões do gênero, sempre atreladas a grandes desastres. A legalidade desta medida provoca discordâncias entre especialistas em direito constitucional.
Para o advogado, Marcus Vinícius Gonçalves, professor da escola de direito Insper, a situação financeira do Estado do Rio não serve como justificativa legal para um decreto de calamidade pública.
Ele ressalta que a “situação anormal” mencionada na Constituição para justificar casos do gênero não se aplicaria aos argumentos apresentados pelo governo do Rio. “O decreto aponta a Olimpíada como razão. É um absurdo”, disse Gonçalves. “Parece ter sido escrito como forma de pressão política.”
O professor de direito constitucional da PUC-SP, Roberto Dias, classificou o decreto como ilegal. Ponderou que a Constituição descreve como calamidade pública apenas situações decorrentes de desastres naturais.
“As hipóteses previstas na Constituição e regulamentadas pela lei dizem respeito a situações imprevisíveis que decorrem de causas naturais”, disse Dias. “E o caso do governo do Rio não se encaixa nessa hipótese legal. O argumento do governo é que há um problema financeiro. Não digo que não haja, mas essa fundamentação não caracteriza calamidade pública”, avaliou Dias.
Professor de direito constitucional da faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas, Gustavo Schmidt considerou “inusitado” o decreto de calamidade encaminhado pelo governo do Rio.
“Não me lembro de um precedente como este”, disse o advogado, que considerou válida a argumentação do Estado. “Este decreto indica a eminência da calamidade pública, que diz respeito a uma situação de descontrole total que impacta na vida da sociedade como um todo. O Estado não poderia esperar a situação se agravar mais para tomar uma atitude”.
Em nota, o presidente da Fundação Getúlio Vargas, Carlos Ivan Simonsen Leal, considerou a medida “exemplar e corajosa, que permite trazer à tona a dificílima realidade fiscal do Estado do Rio”.
ENTENDA
Em um jantar na última quinta-feira, o governador em exercício do Rio, Francisco Dornelles (PP), levou ao presidente interino Michel Temer a proposta de um decreto para destravar os repasses do governo federal ao Estado.
Também estavam presentes o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o secretário do Programa de Parcerias e Investimentos, Moreira Franco, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, e o presidente da Assembleia Legislativa do Rio, Jorge Picciani.
O Rio não pode receber verba federal porque deu um calote na Agência Francesa de Desenvolvimento em maio. O decreto, na prática, contorna a restrição legal.