2ª Turma decidiu que contribuintes devem usar créditos fiscais em até cinco anos após decisão judicial definitiva
A 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) alterou seu entendimento sobre compensação de créditos tributários obtidos judicialmente, o que, na prática, reduz o prazo para o acerto de contas. Os ministros decidiram, em recente julgamento, que o valor obtido pelo contribuinte deve ser utilizado integralmente em até cinco anos, a contar do trânsito em julgado (quando não houver mais recurso) da sentença que reconheceu o direito.
Antes, a 2ª Turma permitia o uso dos créditos até que eles se esgotassem. Ou seja, por tempo indeterminado. O prazo de cinco anos era apenas para iniciar a compensação. Agora, se o contribuinte não usar todo o crédito nesse período, não terá mais direito – mesmo entendimento passou a ser adotado pela 1ª Turma no ano passado, segundo especialistas. Os ministros só admitiram a suspensão do prazo entre o pedido de habilitação e o deferimento pela Receita Federal.
A decisão veda o uso de R$214 milhões em créditos tributários pela Usina Termelétrica Termomacaé, subsidiária da Petrobras. Ela obteve sentença definitiva sobre a “tese do século” (exclusão do ICMS da base do PIS e da COFINS) em 2009, mas só em 2013 pediu habilitação na Receita Federal. Em 2021, o pedido foi deferido, permitindo o uso até setembro de 2022.
Mas a termelétrica não conseguiu usar tudo de vez, pois a média mensal de tributos federais a pagar é de R$634 mil, segundo os autos. Do total de R$216 milhões que conseguiu em créditos pela decisão judicial, só conseguiu aproveitar R$1,8 milhão. Após a Receita vedar a compensação do restante, entrou com processo para usá-los após setembro de 2022, que foi aceito pela primeira e segunda instâncias. Mas, no STJ, a decisão foi reformada.
A compensação tributária é uma sistemática de pagamento em que o contribuinte quita seus impostos com eventual saldo. Após obter a vitória na Justiça reconhecendo o pagamento indevido de tributos, o contribuinte deve se habilitar perante o Fisco, que dará aval sobre a existência dos créditos. O método é uma alternativa ao pagamento via precatório por ser mais célere.
No ano passado, a Fazenda Nacional começou a limitar a compensação mensal de créditos acima de R$10 milhões, sobretudo por conta do grande volume de estoque gerado pela chamada “tese do século”. A alteração veio com a Lei nº 14.873, de 2024.
Agora, o STJ restringe ainda mais esse entendimento, segundo especialistas. A decisão da 2ª Turma afeta, principalmente, contribuintes menores – que tenham crédito abaixo de R$10 milhões. Para advogados, o entendimento dos ministros prejudica empresas, pois limita o uso dos créditos judiciais.
A discussão se baseia no artigo 168 do Código Tributário Nacional (CTN), a Lei nº 5.172/1966. No inciso II, diz que “o direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de cinco anos”, contados “da data em que se tornar definitiva a decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial”.
Para o relator, ministro Francisco Falcão, o dispositivo está alinhado ao artigo 1º do Decreto nº 20.910/1932. Nele, se estabelece que “as dívidas passivas da União, dos Estados e dos municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda” prescrevem em cinco anos “contados da data do ato ou fato do qual se originarem”.
Esse marco, acrescenta ele, é a decisão judicial definitiva. Reconhece, no acórdão, que a jurisprudência da 2ª Turma é no sentido de permitir o uso dos créditos até o exaurimento. Mas entende que é preciso superá-la – hipótese de “overruling” -, pois os precedentes do colegiado, “na prática, acabam por tornar imprescritível o direito à repetição do indébito tributário reconhecido em sede de decisão judicial”.
Falcão cita, em seu voto, decisões da 1ª Turma no mesmo sentido (REsp 1729860 e REsp 2164744). Para o relator, essa interpretação deve prevalecer pois “não parece adequado” a administração pública verificar caso a caso se houve inércia do contribuinte em pedir a habilitação dos créditos. Isso privaria a Fazenda da previsibilidade, pois não saberia quando o contribuinte aproveitaria o crédito.
Elenca outra razão: tese recente fixada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de afastar a tributação pelo Imposto de Renda e CSLL dos juros nas repetições de indébito tributário (Tema 962). Segundo o ministro, o entendimento do STJ de tornar “imprescritível” o uso dos créditos por compensação “incentiva o contribuinte a retardar ao máximo o aproveitamento do indébito, corrigido pela Selic, cuja parcela não estará sujeita à tributação” (REsp 2178201).
Muitas empresas ainda não conseguiram compensar créditos da “tese do século”, como nesse caso julgado. Se o contribuinte não conseguir compensar em cinco anos, ele fica sujeito a perder seu crédito.
Do ponto de vista prático, a decisão implicará análise mais acurada de potencial de compensação ao longo do tempo e vai forçar contribuintes que tenham decisões com volume relevante de crédito a compensar uma parte, pedir expedição de precatório de outra e até mesmo pensar em negociar os créditos no mercado. Essa decisão impõe uma revisão da governança de créditos pelas empresas.
Os casos da 1ª Turma citados no voto do ministro Falcão não têm o mesmo escopo do da 2ª Turma. Os precedentes que ele cita discutiram se o prazo de compensação fica interrompido entre o pedido de habilitação e o deferimento do crédito, situação totalmente diferente, pois a premissa em que se baseia para mudar o entendimento e fazer o overruling estaria pautada em situação que não é a discutida no caso.
Muitos contribuintes não usaram todos os créditos da “tese do século” porque ela demorou a ser fixada por completo – houve intervalo de quatro anos entre o julgamento do mérito e a modulação. Determinados setores tiveram bilhões reconhecidos e existe uma dificuldade de escoar, não está atrelado a uma manobra ou má-fé do contribuinte de se tornar inerte e demorar para compensar.
Lembre-se, a jurisprudência do STJ era consolidada para permitir o uso dos créditos até se esgotarem (REsp 1480602 e REsp 1739879). Se for impor um limite para terminar o uso dos créditos dentro de cinco anos, de certa forma, se restringe à própria decisão que reconheceu os créditos.
A Lei nº 14.873, de 2024, aliado a um “perguntas e respostas” da Receita Federal, protege contribuintes com créditos acima de R$10 milhões, pois ela permite se compensar após cinco anos. Mas até que ponto a Receita não vai mudar o entendimento dela também, depois dessa mudança de jurisprudência?
A recomendação geral é que empresas que pretendem usar os créditos em longo prazo entrem com ação declaratória de repetição de indébito e não mandado de segurança – que só permite a compensação. Por meio da ação declaratória, autoriza-se também o pagamento via precatório.
Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) preferiu não comentar a decisão. A Petrobras não deu retorno até o fechamento da edição.
Fonte: Valor Econômico