Em fevereiro, toda a sociedade ficou estarrecida com a denúncia de que trabalhadores terceirizados na colheita da uva, na região de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, trabalhavam em condições análogas à escravidão, em total desconformidade com as normas trabalhistas, constitucionais e internacionais.
Pior: grandes e famosas vinícolas nacionais, que tomavam de forma direta ou indireta tais serviços, afirmaram que desconheciam tal situação. Contudo, esqueceram-se de sua responsabilidade legal e social sobre o caso e demonstraram que seus mecanismos de compliance de fornecedores, caso existam, estão muito aquém do necessário e esperado.
Este drama é recorrente: as empresas que têm um programa de integridade e compliance implantado (ou iniciando) se deparam com a enorme dificuldade que é ajustar a questão da conformidade de fornecedores.
As dificuldades e justificativas são variadas: por vezes, os fornecedores não estão dispostos a organizar seus serviços ou produtos sob a perspectiva da conformidade; outras vezes, os fornecedores não sabem como fazê-lo; noutras, os fornecedores não possuem recursos (financeiros, humanos etc.) para fazer frente à questão.
Em tais circunstâncias, estabelece-se um dilema: manter ou não o fornecedor / parceiro comercial?
Não há resposta fácil para a pergunta, posto que, frequentemente, aquele fornecedor ou parceiro comercial é único ou raro, bem como demorou a ser desenvolvido para atender à demanda da empresa. Preparar um novo fornecedor ou parceiro comercial pode levar um tempo que muitas vezes não se tem, sem contar o custo e a incerteza que um processo como esse acaba gerando.
Temas como a proteção de dados pessoais (o privacy by design, por exemplo); o programa “Emprega + Mulheres”; sanidade e salubridade no ambiente de trabalho; ou até responsabilidade tributária estão aí, batendo à porta todos os dias, mostrando que não se caminha sozinho e que somos responsáveis uns pelos outros, inclusive legalmente.
Contudo, numa dinâmica assertiva e responsável, acreditamos que a melhor solução é interferir na construção da perspectiva da conformidade com fornecedores. Não se trata de imposição, mas de ajuda na compreensão e capacitação desses fornecedores para a cultura e prática da integridade. Nesse sentido, é nosso dever liderar tal movimento junto aos nossos fornecedores, eliminando as justificativas mencionadas:
Para aqueles que não estão dispostos, mostra-se que não há como se manter no mercado sem estar em compliance com as regras e normas jurídicas e sociais, por representar riscos de toda sorte. Para os que não sabem como fazer, deve-se auxiliar na modelagem de programas de integridade, atuando como autêntica “incubadora” de conformidade para esses fornecedores. Aos que não têm como dispor de recursos, oferecer a “fidelização da parceria” – com extensão de tempo contratual, preferência na contratação etc. – pode ser uma boa “recompensa” pelo esforço de adequação. Sai mais barato estender a mão a esses fornecedores.
Só há algo que não se pode fazer: ficar inerte. Achar que a conformidade dos fornecedores não é um problema seu, além de má prática de responsabilidade social, pode expor sua empresa a riscos graves e trazer consequências desastrosas. Vale lembrar um dito popular: “passarinho que voa com morcego, acorda de cabeça para baixo”.
* Marcus Vinicius Lopes Ramos Gonçalves é sócio da BRG Advogados, professor da Pós-Graduação em Compliance da Fundação Getúlio Vargas (FGV); presidente do Instituto Latino-Americano de Defesa e Desenvolvimento Empresarial (ILADEM) e membro da Comissão de Privacidade e Proteção de Dados da OAB/SP
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